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07/12/17

Antes que o ano acabe

Com a proximidade de dezembro, repensamos o ano que passou." Vivemos sob uma permanente sensação de culpa, de falta, de débito".
O mês de  dezembro tem um efeito especial, diferente da chegada de outro mês, como setembro ou maio. Não falo de acontecimentos climáticos, como a primavera ou as inversões térmicas. Quanto a isso, cada mês tem suas flores e suas dores. Mas há agora, com a proximidade de dezembro, uma sensação de urgência, que nos leva a tomar algumas providências imediatas, antes que o ano acabe.

Mas o que acaba, quando o ano acaba? Que gongo vai soar em dezembro, que acontecimento mágico virá com janeiro - esse mês tão imaculado quanto um caderno novo, que não devemos conspurcar com sobras do ano anterior? Por que essa ansiedade de acertar contas, cumprir promessas, realizar todos os rituais de purificação, antes que... O quê?

Temos uma maneira estranha de levar a vida. Vivemos sob uma permanente sensação de culpa, de falta, de débito. Não acredito que esses sentimentos sejam inerentes à natureza humana, como a marcha bípede ou a capacidade de simbolização. Sentir-se eternamente em dívida deve ser algum desvio de rota, que agora ficou colado à nossa coluna vertebral, como uma condenação.

As mães acham que cometeram graves erros na educação dos filhos; os homens sentem-se incompetentes diante dos desejos de suas parceiras; as mulheres carregam o fardo de achar que não são suficientemente dedicadas, ou bonitas, ou inteligentes, ou sabe Deus o quê. Enfim, estamos o tempo todo descontentes com o que somos, prometendo sempre que, antes que o ano acabe (qualquer ano, todos os anos), a gente vai fazer tudo o que acha que deveria ter feito e não fez.

Assim, na maior correria, antes do fim do ano, vamos começar a fazer ginástica, estudar inglês, fazer terapia, retomar o tratamento dos dentes, arrumar o jardim, vamos...  Essa lista não tem fim e só serve para alimentar nossa sensação de incompetência, que deriva da fantasia onipotente de ter controle dos acontecimentos. Como se nossas atitudes dependessem apenas de um ato de vontade...

Não podemos determinar o que cabe e o que não cabe em cada momento da vida:  já está definido que o que cabe é sempre o mais urgente ou o que está mais próximo, e não o mais importante. A vida se define no varejo, não no atacado. Não adianta traçar grandes metas, nem selar compromissos mirabolantes com o futuro. São as miudezas do cotidiano que nos ocupam, que definem a pessoa que somos e traçam nosso destino. Chega uma hora em que a gente tem de acreditar que o futuro já chegou, não é amanhã nem no ano que vem: é hoje, aqui e agora. Todo dia.

A pessoa que sou não é bem a que eu gostaria de ter sido. Não sou (nem nunca serei) perfeita, maravilhosa, fascinante. Sou apenas uma mulher de meu tempo, bem intencionada mas bastante desajeitada, suficientemente sensível para perceber as necessidades e desejos do meu próximo, mas na maioria das vezes incompetente para atendê-los.

Não serei nunca muito diferente dessa que sou hoje. Terei mais cabelos brancos, mais rugas, posso tentar enfeitar um pouco a minha imagem interna e externa, prestar mais atenção para tentar errar menos. Mas nunca serei perfeita, nem com cirurgias plásticas, nem com mais algumas décadas de análise.

Talvez o mundo não tenha perdido muito, ao ficar definitivamente privado dessa que eu acreditava que deveria ser. Talvez, para que o mundo fique melhor, o que falta não são seres olímpicos e perfeitos, mas reles mortais, falíveis e humanos, mais tolerantes com as fraquezas e limitações, próprias e alheias.

Desta vez, ao invés de correr para não deixar nada pendente para janeiro, proponho uma atitude nova. Vamos hastear, antes que o ano acabe, a bandeira da trégua, do descanso. Vamos anunciar a hora da conquista maior: gostar do que a gente conseguiu, sem lamentar o que supostamente deveria ter conquistado. A hora de valorizar o que a gente é, sem se remoer pelo que poderia ter sido e não foi.

Antes que o ano acabe, vamos dizer para os filhos que fizemos por eles tudo o que podíamos, neste ano que acaba e em todos os outros. Certamente menos do que gostaríamos de ter feito, muito menos do que eles acreditam merecer, mas o máximo que foi possível dentro dos nossos limites. Vamos olhar para o companheiro e reiterar o que ele provavelmente já descobriu: não há encantamento a ser quebrado para nos tornar a princesa do reino da fantasia.

No ano que vem, não vamos nos comprometer a ser melhores, nem mais eficientes, nem mais belos. Mas talvez possamos tentar ser uma pessoa mais tranquila, mais tolerante consigo mesma e com os outros. Deve ser suficiente.

Lidia Aratangy 

* Nossa perfeito este texto,magnifico!


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